«I too am not a bit tamed, I too am untranslatable» (Walt Whitman) | setadespedida@yahoo.co.uk

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Wittgensteiniana light

Depois de Dickens, terminado antes do prazo previsto, sinto-me a maior leitora do mundo. Alimento inclusivamente o projecto megalómano de levar até ao fim a leitura das 776 páginas de Gravity’s Rainbow, de Thomas Pynchon, aliado ao objectivo irrealista de conseguir passar alguns momentos sem pensar obsessivamente em determinadas questões (teóricas e argumentativas) que tenho de resolver. Entretanto, vou-me entretendo com os parágrafos de Cultura e Valor, de L. Wittgenstein (Edições 70, trad. Jorge Mendes), um livrinho muito interessante e de leitura um pouco menos exigente do que o Tractatus ou as Investigações Filosóficas.

Nem de propósito, encontrei o seguinte apontamento na página 62:
«Em toda a grande arte há um animal SELVAGEM: domesticado

E articulei de imediato esta frase com um parágrafo na página 59:
«A medida do génio é o carácter – embora o carácter, por si só, não seja equivalente ao génio. O génio não é o ‘talento mais o carácter’, mas o carácter que se manifesta sob a forma de um talento especial. Assim como um homem manifestará coragem ao saltar à água para socorrer alguém, outro manifestá-la-á escrevendo uma sinfonia.».

Gostei da analogia entre arte e coragem ao ponto de ousar avançar com a possibilidade de ser o medo o animal selvagem que a arte tem de domesticar. Parece-me, contudo, que Wittgenstein concebe este processo de domesticação num sentido delicado e particular. No sentido em que qualquer perda ou dano infligido pelo processo à verdadeira natureza (selvagem, recorde-se) do animal poderá revelar-se trágico e fatal.

Imagem: rabbit or duck?

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